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Papas infantis industriais

Que papas valem a pena oferecer ao meu bebé e porquê?


A ESPGHAN defende que, para uma criança europeia saudável, todos os alimentos podem ser introduzidos após os 6 meses, exceto o sal, açúcar, mel, sumos de fruta, bebidas açucaradas, café/chás, bebida de arroz e leite de vaca como principal fonte láctea até aos 12 meses (1). Já a DGS recomenda ainda oferecer apenas alimentos que façam parte da "Roda da Alimentação Mediterrânica" portuguesa aos bebés (2), dada a importância da nutrição na programação, não só de preferências alimentares, mas também da saúde ou doença futura.

Portanto, alimentos ultraprocessados e/ou com adição de açúcar (ex.: a maioria das papas industriais) não devem ser oferecidos, pelo menos, até aos 12 meses. Estas recomendações são importantes para contrariarmos as preferências e aversões inatas dos bebés.


Porque é que os bebés nascem então com estas preferências e aversões?

Sabe-se que os bebés nascem com uma preferência inata por sabores salgados e doces (maior do que a dos adultos) e rejeitam sabores amargos e azedos. Isto foi muito importante na nossa evolução: foi uma forma que o nosso organismo arranjou para evitar que a criança consuma produtos tóxicos, que têm normalmente estes paladares. Mas cabe-nos a nós educar o paladar do bebé e, ao invés de continuar a estimular as suas preferências naturais, adaptá-las e alargá-las, expondo a criança aos paladares amargos e ácidos (normalmente presentes no iogurte natural, kiwi, framboesas, limão, brócolos, nabo, couve de bruxelas, etc) até que ela os aceite.


O que nos dizem os estudos sobre isto?

  • A exposição repetida a alimentos doces durante a introdução alimentar pode levar a uma expectativa de que todos os alimentos devam ser doces, rejeitando alimentos com outros sabores. (3)

  • Quanto menos açúcar adicionado a criança consome, maior a sua preferência por alimentos pouco doces. (4)

  • Verificou-se o dobro da prevalência de obesidade num grupo de crianças que preferiu o sabor muito doce. (5)

  • Indivíduos mais sensíveis ao sabor amargo, normalmente têm uma maior preferência por alimentos doces. (6)

  • Quanto maior a preferência da criança pelo sabor amargo, maior o seu Índice de Adesão à Dieta Saudável. (7)


Então, onde ficam as papas?

As papas infantis são um alimento muitas vezes considerado como o primeiro a introduzir, por serem uma fonte de hidratos de carbono, proteínas e um fornecedor de vitaminas e minerais (ex.: ferro) quando estas são fortificadas (2). A fortificação da papa em ferro torna-se particularmente interessante uma vez que este é um mineral fundamental para o desenvolvimento cognitivo. Sem acompanhamento nutricional, é difícil garantir que os bebés entre os 6 e os 12 meses estão a ingerir a quantidade de ferro que necessitam, uma vez que estas necessidades aumentam e a deficiência em ferro é uma das carências mais comuns nesta fase.

Contudo, as papas não são necessárias ou sequer obrigatórias na alimentação do bebé se este tiver acompanhamento nutricional. Muitas vezes a justificação para a introdução das papas prende-se com a introdução de certos alergénios, mas permitam-me esclarecer: o trigo (verdadeiro alergénio) e o glúten (precisamos ter cuidado por causa do risco da criança ter Doença Celíaca) podem ser introduzidos através do cuscus, bulgur e/ou massa (em purés ou em pedaços grandes a partir dos 6 meses) e o leite de vaca (no caso das papas lácteas) pode ser introduzido através de iogurtes naturais gordos.

Ou seja, se optar por oferecer papa ao seu bebé (ou sentir que não tem outra hipótese por causa do local onde tem de deixar o bebé enquanto vai trabalhar), introduza a papa certa, no momento certo.


Qual o momento certo para introduzir a papa?

Se iniciarmos a diversificação alimentar por alimentos doces (como a papa), a fase inicial da introdução de alimentos menos doces e por vezes mais amargos (como alguns vegetais) será à partida mais complicada. Assim sendo, os legumes (em puré, ou cozidos e em pedaços) são uma ótima opção para iniciar a diversificação alimentar.

Por isso, garanta primeiro que ele aceita bem frutas e legumes com sabores desafiantes (como os brócolos, as cerejas ou as framboesas, por exemplo), e só depois ofereça uma papa, o menos doce possível.


Como escolher uma papa pouco doce?

Infelizmente, apesar de ir contra as recomendações, muitas papas industriais que são oferecidas (e, muitas vezes, indevidamente recomendados) aos bebés com menos de 12 meses, têm de facto açúcar adicionado na sua lista de ingredientes, mas de forma disfarçada.

Como podemos saber se um produto tem ou não açúcar adicionado? Não, não é olhando para a alegação “sem açúcares adicionados” que tantas vezes aparece na parte da frente da embalagem... Não se deixe enganar pelo marketing e olhe antes para a lista de ingredientes.

Se encontrar algum destes termos, já sabe, adicionaram algo para adoçar o produto: açúcar, glicose, frutose, sacarose, lactose, maltose, dextrose, maltodextrina, mel, geleia, melaço, xarope de (...), sumo de (...), concentrado de (...), sumo concentrado de (...), extrato de malte, amido modificado, amido invertido, amido de milho, farinha de trigo hidrolisada, farinha de trigo extensamente hidrolisada... Muitos destes ingredientes são hidratos de carbono com um comportamento semelhante ao do açúcar no nosso organismo por terem um índice glicémico elevado. A única exceção a esta lista é o “sumo de limão” ou “sumo concentrado de limão” que funciona como conservante e não tem açúcar.


Então quais as melhores papas?

As melhores papas de uma forma geral são não-lácteas (i.e. é necessário preparar com leite materno ou com a fórmula infantil do bebé), fortificadas em ferro e vitaminas (se não forem fortificadas em ferro, não sei até que ponto compensam a diferença de preço, em comparação com uma papa caseira), sem açúcar adicionado (nem mesmo de forma disfarçada), com baixo teor de açúcares (menos de 5g de açúcar por 100g) ou sem açúcares (menos de 0,5g de açúcar por 100g) e sem sabores (ex.: a fruta e/ou bolacha, uma vez que promove mais uma vez a preferência pelo sabor doce).


As papas lácteas (que se preparam com água) não foram incluídas nas minhas recomendações uma vez que todas as que temos disponíveis no mercado neste momento têm um teor de açúcares médio (entre 5 e 22,5g de açúcares por 100g de papa) ou alto (mais de 22,5g de açúcares por 100g de papa) – sendo que a grande maioria (arrisco-me a dizer mais de 90%) têm mais de 20g de açúcar por 100g de papa por terem alguma forma de açúcar disfarçado na sua lista de ingredientes (ex.: farinhas extensamente hidrolisadas, maltodextrina). Ou seja, imaginem que acabaram de descobrir que 1/5 ou ¼ da papa que estavam a pensar dar ao vosso bebé é açúcar puro: decidiam oferecer, mesmo sabendo isto?


Bem sei o inconveniente que pode ser para muitas famílias ter de preparar uma papa com leite (especialmente para mulheres a amamentar que não conseguem ou não gostam de extrair o leite materno), e por isso muitas vezes me perguntam se podem prepará-la com água. No entanto, a resposta a essa questão só pode ser dada caso a caso, após uma avaliação completa em consulta, caso contrário corremos o risco de comprometer o aporte nutricional do bebé e, consequentemente, o seu desenvolvimento.


Dica extra para os cuidadores: nunca provem a papa do vosso bebé, pois se um adulto gostar do seu sabor, à partida é mau sinal. É suposto as papas serem muito pouco doces - o que para muitos de nós é considerado “desenxabido”.


Deixo então aqui as 5 melhores opções (na minha opinião) de papas não-lácteas, fortificadas em vitaminas e minerais (nomeadamente o ferro), com baixo teor de açúcares, por terem uma lista de ingredientes simples e não terem adição de sabores (ex.: fruta, baunilha ou bolacha). A ordem pela qual estão listadas prende-se com o número de vitaminas e minerais em que são fortificadas, em que quantidades e pela relação preço/quantidade.

Se consumida diariamente, a farinha de arroz poderá contribuir para um aporte excessivo de arsénio inorgânico. Deste modo, apesar de todas estas opções conterem farinha de arroz na lista de ingredientes, a opção sem glúten da hero aparece aqui em último lugar por tê-la em maior quantidade.


Papa 8 cereais Hero


Papa 8 cereais Hero


Lista de ingredientes: Farinha de 8 cereais (99%), (trigo, cereais de grão completo (33%), (trigo e aveia), cevada, espelta, centeio, triticale, arroz e milho), minerais (cálcio e ferro), aroma natural e vitaminas (C, niacina, E, B6, B1, A, ac. fólico e D)


Farinha Multicereais Pingo Doce


Farinha Multicereais Pingo Doce


Lista de ingredientes: Farinhas (99%) (trigo, aveia, arroz), minerais (carbonato de cálcio, sulfato de zinco, fumarato ferroso), vitaminas [acetato de retinilo (vitamina A), mononitrato de tiamina (vitamina B1), colecalciferol (vitamina D)].


Farinha Multicereais Baby Wells

Farinha Multicereais Baby Wells


Lista de ingredientes: Farinhas (99%) (farinha de trigo, farinha de aveia, farinha de arroz), carbonato de cálcio, sulfato de zinco, difosfato férrico, acetato de retinilo (vitamina A), mononitrato de tiamina (vitamina B1), colecalciferol (vitamina D).


Papinha de 3 Cereais Papinhas da Xica

Papinha de 3 Cereais Papinhas da Xica


Lista de ingredientes: Cereais (99%) (Farinha de Trigo, Farinha de Aveia Integral, Farinha de Arroz), Minerais (Carbonato de Cálcio, Fumarato Ferroso, Sulfato de Zinco), Vitaminas (Acetato de Retinilo, Mononitrato de Tiamina, Colecalciferol).


Papa cereais sem glúten Hero

Papa cereais sem glúten Hero


Lista de ingredientes: Farinha de cereais sem glúten (96%), (milho e arroz), minerais (cálcio e ferro), aroma natural e vitaminas (C, niacina, E, B6, B1, A, ac. fólico e D)







(por 100g)

Papa 8 cereais Hero


Farinha Multicereais Pingo Doce


Farinha Multicereais Baby Wells


Papinha de 3 Cereais Papinhas da Xica


Papa cereais sem glúten Hero

açúcares (g)

1

2

0,4

0,4

0,5

sal (g)

0,03

0,008

0,01

0,01

0,03

ferro (mg)

7,5

6,5

6

6

7,5

cálcio (mg)

160

286

300

300

160

zinco (mg)

-

4,7

5

5

-

ácido fólico (mg)

0,07

-

-

-

0,07

vit A (mg)

0,375

0,353

0,350

0,360

0,375

vit B1 (mg)

0,5

1

0,6

0,6

0,5

vit B3 (mg)

8,5

-

-

-

8,5

vit B6 (mg)

0,3

-

-

-

0,3

vit C (mg)

30

-

-

-

30

vit D (mg)

0,01

0,006

0,006

0,006

0,01

vit E (mg)

2,8

-

-

-

2,8

Caso não encontre nenhuma destas papas à venda no local onde vive, deixo mais 3 opções extra de papas não-lácteas, fortificadas em vitaminas e minerais (incluindo o ferro) com baixo teor de açúcares (≤5g por 100g) que pode comprar em situações SOS. Não as considero tão boas como as anteriores por serem feitas maioritariamente ou unicamente com farinha de arroz (quando consumidas diariamente podem contribuir para um aporte excessivo de arsénio inorgânico), por terem farinhas hidrolisadas na lista de ingredientes, adição de óleos vegetais e/ou aroma a baunilha.


Creme de arroz sem glúten Hero

Creme de arroz sem glúten Hero


Lista de ingredientes: Farinha de arroz (99%), minerais (cálcio e ferro), aroma natural e vitaminas (C, niacina, E, B6, B1, A, ac. fólico e D)


Cerelac Primeira papa Arroz sem glúten

Cerelac Primeira papa Arroz sem glúten


Lista de ingredientes: Farinha de arroz parcialmente hidrolisada (97,6%), óleos vegetais (óleo de girassol, colza), substâncias minerais (carbonato de cálcio, fumarato ferroso, sulfato de zinco, iodeto de potássio), vitaminas (C, E, PP, B1, A, B6, ácido fólico, D), aroma (vanilina), cultura de bifidobactérias.


Nestlé Sinlac

Nestlé Sinlac


Lista de ingredientes: Farinha de arroz hidrolisada (71,7%), farinha de semente de alfarroba (17,3%), óleos vegetais (colza, girassol), substâncias minerais (carbonato de cálcio, fumarato ferroso, sulfato de zinco, iodeto de potássio), regulador de acidez (ácido cítrico), vitaminas (C, PP, E, B1, ácido pantoténico, A, B6, B2, biotina, ácido fólico, D, B12).

Se nenhuma destas estiver disponível, pode optar por papas não-lácteas, fortificadas apenas em vitamina B1 (tiamina) com baixo teor de açúcares e sem sabores: Blédina 7 cereais, Smileat 7 Cereais, Smileat Cereais com Quinoa, Farinha Hero Solo Multicereais, Holle 4 Cereais, Blédina Trigo Aveia e Centeio, Holle 3 Cereais, Holle Aveia, Holle Primeira papa, Holle Millet, Holle Espelta.


No entanto, por não serem fortificadas em ferro e outras vitaminas e minerais, é necessário avaliar até que ponto compensará o investimento financeiro, quando comparadas com uma papa caseira. A decisão ficará ao seu critério, e em caso de dúvida, marque uma consulta de nutrição para averiguar qual a melhor opção para o vosso bebé.



Referências

  1. Fewtrell, M., Bronsky, J., Campoy, C., Domellöf, M., Embleton, N., Fidler Mis, N., et al. Complementary Feeding: A Position Paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition. Journal of pediatric gastroenterology and nutrition, 2017, 64(1), 119–132.

  2. PNPAS. Alimentação Sauda_́vel dos 0 aos 6 anos – _Linhas De Orientação Para Profissionais E Educadores. 2019

  3. Switkowski, K. M., Gingras, V., Rifas-Shiman, S. L., & Oken, E. Patterns of Complementary Feeding Behaviors Predict Diet Quality in Early Childhood. Nutrients, 2020, 12(3), 810.

  4. Liem DG, Mennella JA. Sweet and sour preferences during childhood: role of early experiences. Dev Psychobiol. 2002;41(4):388-395.

  5. Sobek G, Łuszczki E, Dąbrowski M, et al. Preferences for Sweet and Fatty Taste in Children and Their Mothers in Association with Weight Status. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(2):538. doi:10.3390/ijerph17020538

  6. Bawajeeh AO, Albar SA, Zhang H, Zulyniak MA, Evans CEL, Cade JE. Impact of Taste on Food Choices in Adolescence-Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients. 2020;12(7):1985. doi:10.3390/nu12071985

  7. Sina, E., Buck, C., Jilani, H., Tornaritis, M., Veidebaum, T., Russo, P., et al. Association of Infant Feeding Patterns with Taste Preferences in European Children and Adolescents: A Retrospective Latent Profile Analysis. Nutrients, 2019, 11(5), 1040.



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