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Infância e comportamentos alimentares

Alimentos saudáveis vs Alimentação saudável

Mais importante do que saber que alimentos e em que quantidades as crianças devem comer para ter uma alimentação saudável, é ensinar-lhes a ter uma relação saudável com os alimentos e com a sua alimentação. Este artigo tem como objetivo principal frisar que não existem alimentos bons nem alimentos maus. Não existem “porcarias” nem alimentos “saudáveis”, estas são conotações subjetivas que nós damos aos alimentos. Na realidade existem apenas alimentos mais e menos interessantes do ponto de vista nutricional, e ambos fazem parte de uma alimentação saudável. Então comecemos pelo que não deve ser feito?

Não transmitir mensagens contraditórias

Os pais são o modelo das crianças a toda a hora, principalmente no que toca aos comportamentos alimentares, pelo que não podem transmitir mensagens contraditórias (ex.: dizendo à criança que tem que comer um determinado alimento, quando os próprios não o fazem). Devem ainda estar atentos à imagem que estão a passar à criança da sua própria relação com a comida (ex.: “fiz exercício por isso mereço estas batatas fritas”, “estou triste, preciso de comer um doce”). Mensagens como estas, atribuem cargas emocionais aos alimentos, que podem ter um impacto na forma como a criança se relaciona com eles.


Não atribuir uma carga emocional aos alimentos

Não utilizar alimentos como reforço positivo ou negativo para a própria criança. Alimentos não são recompensa nem castigo e não lhes devemos atribuir nenhuma carga emocional (ex.: “se comeres a sopa ao almoço, jantamos hamburger e batatas fritas”, “se fizeres os TPCs agora, a seguir vamos comer um gelado”). Mensagens como estas atribuem cargas positivas e negativas desnecessárias aos alimentos, tornando-os mais e menos desejáveis, respetivamente.


Não desistir

- A neofobia alimentar (medo/resistência em provar novos alimentos) é comum nas crianças. Vários estudos mostram que podem ser precisas mais de 10 tentativas até que um novo sabor seja aceite pela criança. Por isso, se ela não gostar de um determinado alimento, deve experimentar oferecer sempre de formas diferentes: variando nos cortes (ex: cubos, círculos, spirulizado, triângulos), métodos de confeção (ex.: saltear, assar, grelhar, cozer, estufar) e temperos (ex.: ervas aromáticas, especiarias, sumo de limão, vinagretes). O truque é nunca desistir e arranjar sempre formas alternativas de ir oferecendo o mesmo alimento até se encontrar o corte, textura ou tempero preferido pela criança para cada alimento.

- Se a criança ajudar a preparar os alimentos que menos gosta, e os empratar de forma divertida (ex.: formas ou desenhos no prato) pode aumentar a probabilidade de os querer provar. É também importante que a envolvam desde cedo na preparação desses alimentos e dêem oportunidades para que vá contactando com eles e explorando-os de diferentes formas (ex.: levá-la a uma horta de um amigo/familiar para que perceba de onde vêm esses alimentos, lavá-los, cheirá-los, provar o seu sumo se aplicável, etc).

- Deve ainda fazer com que a criança sinta que esteve envolvida no processo de decisão, mas dando-lhe duas opções equivalentes e igualmente interessantes do ponto de vista nutricional (ex.: “Vamos comer o pimento vermelho ou amarelo?” “Para o jantar preferes arroz ou massa?” “E para sobremesa comemos tangerina ou melão?”). Ao sentir que a escolha partiu dela (apesar de ter sido condicionada pelos pais) pode aumentar a probabilidade de querer comer o alimento.

Não definir “cheat days /meals

Estes dias/refeições “da batota / do pecado” podem aumentar o sentimento de culpa após a ingestão, adicionando uma carga emocional negativa aos alimentos que foram consumidos, quando na verdade, os alimentos não são bons nem maus, pura e simplesmente uns são mais interessantes que outros. Nestes dias em que se “está a fazer batota”, pode haver uma ingestão em quantidades exageradas de alimentos evitados por longos períodos de tempo e por isso muito desejados, e um enorme sentimento de culpa ou vergonha a seguir a essa ingestão. Tal pode desencadear uma doença do comportamento alimentar, algo muito sério que deve ser prevenido a todo o custo e diagnosticado (quando a prevenção não foi eficaz) o mais cedo possível para uma intervenção precoce.


Atenção ao momento da refeição

Este não deve ser recheado de distrações (ex.: ecrãs, teatros para que a criança coma, discussões ou ameaças), mas sim um momento tranquilo de convívio em família. É muito importante que a criança esteja concentrada no que está a comer para que aprenda a regular por si só a sua ingestão alimentar, respeitando os seus sinais de fome e saciedade. Os pais são responsáveis pela escolha dos alimentos oferecidos à criança e esta regula a quantidade a ingerir. Os pais devem garantir apenas que a criança come as quantidades mínimas (de acordo com a Roda dos Alimentos) e não devem permitir o consumo de doses exageradas (ex.: repetição do prato).

Importância da abordagem assertiva

Se a criança se recusar a comer algum alimento ou refeição, tal deve ser interpretado como “não tenho mais fome” e os pais não devem adotar uma postura autoritária (ex.: forçando a comer até ao fim), nem uma abordagem permissiva onde são muitas vezes oferecidos alimentos alternativos menos interessantes do ponto de vista nutricional (ex.: ovo estrelado com salsichas), ou permitindo o consumo de snacks até à refeição seguinte. A criança deve perceber que existem horários para as refeições que devem ser respeitados, para aprender a comer o que lhe é oferecido quando tem fome e parar de comer quando está saciada (ex.: retirar o prato quando a criança não quiser mais e apenas oferecer alimentos no horário da refeição seguinte).

O importante é garantir que no final do dia a criança comeu todas as porções mínimas de cada grupo da Roda dos Alimentos.


A reter

Assim sendo, todos os alimentos podem ser consumidos na devida quantidade e frequência, de acordo com a sua riqueza nutricional. Como saber a frequência/quantidade de determinado alimento que a criança pode ou deve comer? Primeiro devemos olhar para a roda dos alimentos, e depois para o rótulo. Fique atento às próximas publicações sobre como seguir os princípios da Roda dos Alimentos, que informações obtemos através dos rótulos e como/quando comer alimentos menos interessantes do ponto de vista nutricional.


Referências

- DGS. Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos – Linhas De Orientação Para Profissionais E Educadores. 2019

- Green RJ, Samy G, Miqdady MS, Salah M, Sleiman R, Abdelrahman HMA, et al. How to improve Eating Behaviour during Early Childhood PGHN. 2015; 18(1):1-9

- Kerzner B, Milano K, MacLean WC, Berall G, Stuart S, Chatoor I. A pratical Approach to Classifying and Managing Feeding Difficulties. Pediatrics. 2015; 135(2)

- Silverman AH. Behavioral Management of Feeding Disorders of Childhood. Ann Nutr Metab. 2015; 66 Suppl 5:33-42.

- Koletzko B, et al. (eds): Pediatric Nutrition in Practice. World Rev Nutr Diet. Basel, Karger, 2015, vol 113, pp 118–121

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