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Composição do leite materno

O leite materno é muito mais inteligente do que se pensa: em relação à quantidade, a sua produção é estimulada pela sua extração (acaba por funcionar um pouco como a lei de mercado: quanto maior a procura, maior será a oferta); no que toca à sua qualidade, este parece responder às necessidades nutricionais do bebé em cada momento, estando adequado à sua capacidade metabólica (digestiva e renal). Como? Vamos tentar perceber.

A composição do leite materno parece ser alterada por ocorrências durante a gravidez (ex.: hipertensão) e características do recém-nascido (ex.: grau de prematuridade) de forma a adaptar-se o melhor possível às suas necessidades e garantir um adequado crescimento e desenvolvimento (1). A sua qualidade é sempre excelente e adequada, e a evolução ponderal satisfatória do bebé é o melhor indicador de adequação (2).

Mas afinal, qual a composição geral do leite materno?

Este é constituído maioritariamente por água (±87%), lactose (±7,1%), lípidos (±4,1%), oligossacáridos (±1%) e proteínas (±0,8%). São principalmente os oligossacáridos (mais de 200 estruturas) que tornam o leite materno inigualável. Estes são responsáveis por modular a imunidade intestinal e sistémica do lactente, conferindo-lhe uma maior proteção contra diversas patologias. São exemplos destes oligossacáridos: proteínas bioativas, anticorpos (ex.: IgAs, CD14), fatores anti-inflamatórios (ex.: IL8, IL10), eritropoietina, leptina, adiponectina, entre muitos outros (2).

A meta-análise de Victora et al. concluiu que a amamentação é um fator independente para a proteção contra infeções, nomeadamente respiratórias nos primeiros 2 anos de vida (ex.: otite média aguda e rinite alérgica) e diarreia aguda nos primeiros 5 anos de vida. A longo prazo, o leite materno parece proteger o lactente contra a Diabetes Mellitus tipo 2, o excesso de peso/obesidade, a leucemia, a elevação da pressão arterial e parece melhorar o desempenho cognitivo e motor (3). Para além disto, ao amamentar estamos a permitir que a criança autorregule o volume de leite que ingere, o que promove uma melhor regulação dos mecanismos de apetite/saciedade (2).

Está demonstrado que a dieta materna influencia o sabor do leite materno, mas uma revisão sistemática encontrou uma fraca ou falta de associação entre a dieta materna e o teor do leite materno em energia, gordura e proteína (4). Este aspeto acaba por ser protetor para o lactente uma vez que em mulheres malnutridas, o leite materno parece ter a mesma composição em macronutrientes, garantindo o adequado desenvolvimento do lactente.



Como varia a composição do leite materno? (1-10)

Ao longo dos meses

O colostro (leite produzido nos primeiros dias após o parto) é rico em proteínas, vitaminas lipossolúveis (A, E, K), sódio, cloreto e magnésio assim como substâncias tróficas e protetoras, importantes para a saúde do recém-nascido – deve por isso, idealmente, começar a amamentar na primeira hora após o parto.

Posteriormente, o leite materno vai se adaptando constantemente às necessidades do lactente: nos primeiros meses é mais rico em proteína para promover o crescimento do bebé; à medida que ele vai crescendo e tornando-se mais ativo, começa a precisar de mais energia pelo que o leite materno se vai tornando mais rico em lípidos e o seu teor proteico vai diminuindo progressivamente.


Ao longo do dia

A quantidade de lípidos parece ser menor à noite e nas mamadas matinais. Estas alterações são fisiológicas pelo que não tem que se preocupar, foi tudo feito à medida para que no final do dia o seu filho tenha todos os nutrientes que necessita.


Ao longo da mamada

O leite do final da mamada é o mais rico em gordura e energia, daí a importância de esvaziar uma mama antes de passar para a seguinte. Se, ao concluir a refeição, o bebé não esvaziou completamente a mama, é por onde deve iniciar a refeição seguinte, para que ele tire proveito da totalidade dos nutrientes. Se a mama se mantiver tensa, deve retirar o leite necessário para reduzir o desconforto (de forma a evitar inflamação e infeção da glândula mamária) e conservá-lo adequadamente para poder oferecer mais tarde ao seu bebé.


De acordo com as características do lactente

A composição do leite materno parece adaptar-se ao grau de prematuridade do recém-nascido: se for prematuro, o leite parece ter mais energia e macronutrientes durante as primeiras 8 semanas de lactação; se for extremo prematuro, o leite parece ter um conteúdo de energia e proteína significativamente maior. Estas alterações fisiológicas são a prova de que o leite materno tem a capacidade de se adaptar de forma a dar resposta às necessidades particulares de cada recém-nascido.


De acordo com características maternas

A quantidade de lípidos parece aumentar à medida que o número de filhos e a idade materna aumentam. A quantidade de energia e proteína também parece ser maior no leite de mães com hipertensão (gestacional e crónica). Este parece ser um mecanismo protetor para o seu lactente.

No entanto, alguns estudos encontraram menor concentração de lípidos e proteínas, períodos de lactação mais curtos e uma menor produção de leite em mães fumadoras, pelo que se torna importante deixar de fumar quando começa a pensar em tentar engravidar.



Referências

1. Correia L, Cardoso M, Papoila AL, Alves M, Virella D, Ramalho R, et al. Does Fetal Growth Adequacy Affect the Nutritional Composition of Mothers' Milk?: A Historical Cohort Study. Am J Perinatol. 2021

2. DGS. Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos – Linhas De Orientação Para Profissionais E Educadores. 2019

3. Victora CG, Bahl R, Barros AJ, et al; Lancet Breastfeeding Series Group. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet 2016;387(10017):475–490

4. Keikha, M., Bahreynian, M., Saleki, M., & Kelishadi, R. Macro- and Micronutrients of Human Milk Composition: Are They Related to Maternal Diet? A Comprehensive Systematic Review. Breastfeeding Medicine. 2017

5. Bhatia J. Human Milk for Preterm Infants and Fortification. Nestle Nutr Inst Workshop Ser 2016;86:109-19

6. Chung MY. Factors affecting human milk composition. Pediatr Neonatol 2014;55:421-422

7. Argaman, N. A., Mandel, D., Lubetzky, R., Kedem, M. H., Cohen, B. H., Berkovitz, Z., & Reifen, R. Human Milk Fatty acids composition is affected by maternal age. The Journal of Maternal-fetal & Neonatal Medicine. 2016;30(1), 34–37.

8. Bachour, P., Yafawi, R., Jaber, F., Choueiri, E., & Abdel-Razzak, Z. Effects of Smoking, Mother’s Age, Body Mass Index, and Parity Number on Lipid, Protein, and Secretory Immunoglobulin A Concentrations of Human Milk. Breastfeeding Medicine. 2011;7(3), 179–188.

9. Napierala, M., Mazela, J., Merritt, T. A., & Florek, E. Tobacco smoking and breastfeeding: Effect on the lactation process, breast milk composition and infant development. A critical review. Environmental Research. 2016;151, 321–338.

10. Bauer J, Gerss J. Longitudinal analysis of macronutrients and minerals in human milk produced by mothers of preterm infants. Clin Nutr. 2011;30(2):215-20

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